terça-feira, 26 de novembro de 2013

Jornalismo de classe

          Ribeirão Preto ganhou destaque na imprensa nacional neste mês de novembro. No último dia 10, um corpo foi encontrado no Rio Pardo, em Barretos, cidade próxima. Era o do garoto Joaquim Pontes Marques, 3 anos, que estava desaparecido desde o dia 5.

          A família morava no Jardim Independência, bairro de classe média de Ribeirão. A mãe é uma psicóloga que trabalhava em uma clínica de recuperação para dependentes químicos em Ipuã, também no interior de São Paulo. Era separada do pai, que mora hoje em São Paulo. Ela morava com o namorado Guilherme Longo, paciente que conheceu nessa clínica.

          Depois de algumas semanas de investigações, Longo foi apontado, pela polícia, como principal suspeito da morte do menino, que era diabético. Situados do caso, vamos à análise da cobertura jornalística.

          A repercussão foi enorme. Talvez Ribeirão Preto nunca tivesse presenciado um caso desse tipo. O assassinato de Joaquim causou comoção por ter sido feito contra uma criança, teoricamente indefesa em relação aos adultos. É um caso que assusta e pode levar a outras reflexões, como a relação entre pais separados e filhos.

          A imprensa regional parou para noticiar o fato. Dia após dia, os telejornais e jornais impressos estampavam a foto de Joaquim para ajudar nas buscas por ele. Nas redes sociais, isso se repetia. Rádios da região também se mobilizaram para encontrar o menino. 

          Até aí, tudo bem. É o jornalismo tentando cumprir seu papel social, ao lado do cidadão. O problema é que o caso foi tomando uma proporção tão grande, a ponto de celebridades compartilharem as fotos pela internet e o noticiário nacional dedicar grande parte do tempo para a cobertura do chamado “Caso Joaquim”.

          Pausa para uma pergunta: foi válida essa mobilização até chegar em rede nacional o desaparecimento da criança? A meu ver, seria se todos os casos de sumiço gerassem essa comoção. Por que só Joaquim mereceu tamanha atenção?

          A família é de brancos. Mora em um bairro de classe média. O pai biológico tem boas condições sociais e mora em São Paulo. Seguem todos os padrões que a sociedade atual exige. Isso pode ser um fator.

          Por exemplo, em Sertãozinho, cidade vizinha a Ribeirão, uma menina de 19 anos desapareceu no dia 20 de setembro após brigar com o namorado, com quem morava. Dez dias depois foi encontrada morta, com o corpo multilado, em um córrego da cidade. O laudo da perícia indica que, antes de morrer, Vanessa Martins teve o braço esquerdo quebrado. O assassino, com um objeto cortante ainda não identificado, rasgou a genitália da garota e arrancou todos os órgãos. 

          Chocante, não? Pois é. A imprensa regional pouco noticiou o acontecimento. O caso ganhou destaque mesmo só quando o corpo foi encontrado. Depois, o namorado e principal suspeito do assassinato foi preso. Apenas uma notícia comum. Foi solto por não acharem provas concretas contra ele. Mais uma nota nos jornais e só. Por que isso? Seguindo a linha de raciocínio do “Caso Joaquim”, era para o Brasil ter parado para acompanhar. Mas não aconteceu. 

          Uma curiosidade: Vanessa era mulata, quase negra. O namorado também. Os familiares dos dois moravam em casas na periferia de Sertãozinho. Fugiam totalmente dos padrões sociais impostos nos dias de hoje. Pelo que se percebeu da mídia, foi assim: “é menos um pobre no mundo, que se dane”.

          Sem mais delongas, com a presença intensa dos órgãos de imprensa cobrindo a morte de Joaquim, abriu-se precedente para a famosa guerra de audiências entre as emissoras. De um lado, pela Bandeirantes, Datena gastava horas e horas comentando e tentando julgar o caso antes da polícia. Do outro, Marcelo Rezende, na Record, fazia o mesmo. Foi uma espécie de “leilão de informação”. Quem dá mais... quem dá mais?

          Isso se repetiu nos telejornais e jornais impressos daqui. Muitas vezes, notícias repetidas e sem muita relevância para o caso tiravam a atenção dos cidadãos de assuntos importantes para a cidade. Na mesma época, uma pessoa morreu ao cair em um buraco na rua de Ribeirão Preto. Um descaso do poder público que teve pouca atenção da mídia.

          E a população, no meio desse fogo cruzado, cai na ladainha da imprensa. O túmulo e a casa de Joaquim viraram pontos turísticos e de peregrinações para as pessoas. No feriado da Consciência Negra, 20 de novembro, milhares de pessoas levaram flores e cartazes para a residência do Jardim Independência. O mesmo no cemitério em São Joaquim da Barra, onde ele está enterrado. 

          Não condeno esta prática, mas dê um pulo em Sertãozinho. Ninguém mais lembra da garota Vanessa. O túmulo dela é só mais um e a casa dela continua lá na periferia. A família, coitada, sem apoio. Pensemos mais e tentemos olhar as notícias de outra maneira, após esses dois casos chocantes para o interior de São Paulo.

Vinícius Alves
Estudante de Jornalismo
Ribeirão Preto/SP

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