quinta-feira, 21 de julho de 2011

Nosso trabalho salva vidas

          Por muitas vezes pensei em “fechar a conta”. Já estive a uma aceleração, uma traseira de caminhão, uma super-dosagem de Roacutan de assinar um contrato nada atrativo com o “coisa ruim”. Tudo bem, vai, tinha um atrativo no documento, uma cláusula, talvez a única, em letras garrafais, que prometia o que homem nenhum consegue convivendo diariamente com seus fantasmas, seus medos e seus vícios; a cláusula em fonte 1001 dizia “TERÁ PAZ”.

          Poderia ser perfeito, poderia apagar e descansar, mas... E é o que dizem: ninguém encerra sua própria “conta” por odiar a vida, pelo contrário, é o anseio de viver muito. O que faz um ser saudável cogitar o extremo? Talvez não conseguir lidar com os problemas que a própria pessoa arruma, falta de paz, ausência de algo, alguém, alguma coisa. De qualquer maneira, pouco importa, um contrato assim não é alternativa... Não em sã consciência.

          A cogitação do ato louco foi sintoma das dores que sentia. Não dores físicas, mas dores na alma. Dores no coração e na mente que feriam mais do que um joelho ralado, um dedo cortado, uma topada com o dedinho na cama ou... ou a pior dor física que se pode imaginar. Qualquer tipo de dor na lembrança é mais forte que qualquer campo de concentração. Lutar contra os bandidos, os ditadores e a violência física urbana é fichinha diante da luta com a própria consciência. A culpa não tem misericórdia, ela não mata e finda o sofrimento. Culpar-se por um erro é uma tortura diária escondida em cada ação que a rotina prepara para nós.

          Tudo ainda dói, todos os dias, o tempo todo, mas hoje reconhecer firma pelo contrato não é opção. Ninguém do lado de cá atingiu o ‘nirvana’ ou amadureceu do dia para a noite. Mas uma opção sem razão não é uma opção, é uma apelação. Muitas pessoas apelam achando ser a última chance de “viver” em paz e acabam por renunciar a natureza humana, que é viver em conflitos.

          Mas tá, esses parágrafos não são um conto de drama, mas uma introdução para o mais importante e relevante. Quantas vezes já se viu na imprensa um debate aprofundado sobre o tema do suicídio? Ok, antes que venha algum empoladinho certinho me dizer que “a mídia não fala para não incentivar os desmiolados”, devo dizer que quem quer cometer uma besteira de fato não espera incentivo, pula, puxa ou se joga sem precisar de ninguém para dizer o que fazer.

          A mídia é um espelho, distorcido é bem verdade, mas ainda reflete um pouco de credibilidade. Ainda dão ouvidos a ela e a imprensa provoca debates, fornecendo material para melhorar algum aspecto obscuro e aparentemente perdido na sociedade contemporânea. A imprensa tem acesso a dados estatísticos, tem a seu dispor as fontes mais indicadas para falar sobre o assunto. Então, por que não começar a abordar esse tema?

          Quando digo abordar não é apelar e sensacionalizar o tema para vender jornal ou alavancar a audiência. Abordar é mostrar o que acontece, apontar motivos através de especialistas e visualizar soluções através dos mesmos. Um assunto em pauta diariamente na mídia vai provocar o interesse de estudiosos, vai dar luz, não a uma solução, mas a uma possível melhora. Imaginem só o sistema municipal de ensino de uma cidade com o maior número de suicidas jovens se baseando e utilizando dados da mídia para investir em psicólogos que identificaram os principais motivos dos suicídios nessa fase etária (utilizando as abordagens da mídia) e vão tentar diminuí-los na raiz do problema? Não é mágico? Mágico pode parecer utópico, mas utopia é uma maneira de acreditar na melhora dos problemas.

          A educação não é a base de tudo, meus caros? Pois é a partir dela que se deve começar uma tentativa de erradicar o mal do século. Sim, o mal do século é a solidão, que por tabela leva a depressão e que por consequência, muitas vezes, leva alguém em momento de desespero ao fim da linha cedo demais.

          Campanhas na mídia de como os pais devem agir com um filho suicida em potencial também não ajudariam de alguma forma? Nessa questão latente toda ajuda é valida e 1% de vidas que serão salvas vale o empenho, a cobertura, o tratamento com esse tema que é deixado de lado.

          Um exemplo simples de que qualquer incentivo é valido é uma frase que sempre leio. Fala o seguinte: “nosso trabalho salva vidas”. Onde será que essa frase estava? Em um hospital, no corpo de bombeiros ou em uma delegacia de polícia, talvez. Não, longe disso, essa frase aparece sempre antes de um seriado e é colocada no vídeo pelo grupo que faz a legenda para disponibilizar o episódio poucas horas depois de sua exibição oficial nos EUA. Um exemplo simples, mas reflexivo. O trabalho deles de fato salva vidas, o entretenimento é uma catarse necessária e faz com que muitas pessoas desesperadas se distraiam, mudem o foco.

          Aos jornalistas essa frase também é útil. Nosso trabalho salva vidas, meus caros colegas, nós podemos modificar situações maléficas. Nós temos um certo poder, sim, mas como qualquer poder, deve ser bem utilizado e investir em cobertura de um tema afastado da mídia como o suicídio, que está cotidianamente na vida de qualquer brasileiro, é utilizar o poder para o lado do bem.

          E não venham com esse conservadorismo barato para o meu lado. Deixem de ser “vacas de presépio” e repetirem o que ouviram desde o começo da faculdade, que a mídia não pode falar disso porque incentiva. Isso é besteira. Falar sobre o problema sem glamourizar o ato suicida, mas focando nos motivos e as soluções para minimizar os índices não é incentivar, pelo contrário, é fornecer conteúdo para um debate, um debate do bem.

Jônatas Filipe Mesquita
Jornalista
Ribeirão Preto/SP

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